krisis
Beiträge zur Kritik der Warengesellschaft
EXIT! CRISE E CRÍTICA DA SOCIEDADE DA MERCADORIA
CRÍTICA DO CAPITALISMO PARA O SÉCULO XXI. Com Marx para além de Marx: o projecto teórico do Grupo "EXIT!" Deutsch
KRISIS (Alemanha) : A superação do trabalho !!! Liberdade quer dizer não se deixar embutir pelo Mercado, nem se deixar administra r pelo Estado, mas organizar as relações sociais sob direção própria - sem a interferên cia de aparelhos alienados.
Trechos extraídos do documento disponível em:
Grupo Krisis
Manifesto contra o Trabalho*
1. O domínio do trabalho morto
Um cadáver domina a sociedade – o cadáver do trabalho. Todos os poderes ao redor do globo uniram-se para a defesa deste domínio: o Papa e o Banco Mundial, Tony Blair e Jörg Haider, sindicatos e empresários, ecologistas alemães e socialistas franceses. Todos eles só conhecem um lema: trabalho, trabalho, trabalho !
Os que ainda não desaprenderam a pensar reconhecem facilmente que esta postura é infundada.
Pois a sociedade dominada pelo trabalho não passa por uma simples crise passageira, mas alcançou seu limite absoluto. A produção de riqueza desvincula-se cada vez mais, na seqüência da revolução microeletrônica, do uso de força de trabalho humano – numa escala que há poucas décadas só poderia ser imaginada como ficção científica. Ninguém poderá afirmar seriamente que este processo pode ser freado ou, até mesmo, invertido. A venda da mercadoria força de trabalho será no século XXI tão promissora quanto a venda de carruagens de correio no século XX. Quem, nesta sociedade, não consegue vender sua força de trabalho é considerado "supérfluo" e é jogado no aterro sanitário social.
Quem não trabalha, não deve comer ! Este fundamento cínico vale ainda hoje – e agora mais do que nunca, exatamente porque tornou-se desesperançosamente obsoleto. É um absurdo: a sociedade nunca foi tanto sociedade do trabalho como nesta época em que o trabalho se faz supérfluo. Exatamente na sua fase terminal, o trabalho revela, claramente, seu poder totalitário, que não tolera outro deus ao seu lado. Até nos poros do cotidiano e nos íntimos da psique, o trabalho determina o pensar e o agir. Não se poupa nenhum esforço para prorrogar artificialmente a vida do deus trabalho. O grito paranóico por "emprego" justifica até mesmo acelerar a destruição dos fundamentos naturais, já há muito tempo reconhecida. Os últimos impedimentos para a comercialização generalizada de todas as relações sociais podem ser eliminados sem crítica, quando é colocada em perspectiva a criação de alguns poucos e miseráveis "postos de trabalho". E a frase, seria melhor ter "qualquer" trabalho do que nenhum, tornou-se a profissão de fé exigida de modo geral.
Quanto mais fica claro que a sociedade do trabalho chegou a seu fim definitivo, tanto mais violentamente este fim é reprimido na consciência da opinião pública. Os métodos desta repressão psicológica, mesmo sendo muito diferentes, têm um denominador comum: o fato mundial de o trabalho ter demonstrado seu fim em si mesmo irracional, que se tornou obsoleto. Este fato vem redefinindo-se com obstinação em um sistema maníaco de fracasso pessoal ou coletivo, tanto de indivíduos quanto de empresas ou "localizações". A barreira objetiva ao trabalho deve aparecer como um problema subjetivo daqueles que caíram fora do sistema.
Para uns, o desemprego é produto de exigências exageradas, falta de disponibilidade, aplicação e flexibilidade dos desempregados, enquanto outros acusam os "seus" executivos e políticos de incapacidade, corrupção, ganância ou traição do interesse local. Mas enfim, todos concordam com o ex-presidente alemão Roman Herzog: precisa-se de uma "sacudidela", como se o problema fosse semelhante ao de motivação de um time de futebol ou de uma seita política. Todos têm, "de alguma maneira", que mandar brasa, mesmo que brasa não haja mais, e todos têm, "de alguma maneira", que pôr mãos à obra com toda vigor, mesmo que não haja nenhuma obra a ser feita, ou somente obras sem sentido. As entrelinhas dessa mensagem infeliz deixam muito claro: quem, apesar disso, não desfruta da misericórdia do deus-trabalho, é por si mesmo culpado e pode ser excluído, ou até mesmo descartado, com boa consciência.
A mesma lei do sacrifício humano vale em escala mundial. Um país após o outro é triturado sob as rodas do totalitarismo econômico, o que comprova sempre a mesma coisa: não atendeu às assim chamadas leis do mercado. Quem não se "adapta" incondicionalmente ao percurso cego da concorrência total, não levando em consideração qualquer perda, é penalizado pela lógica da rentabilidade. Os portadores de esperança de hoje são o ferro-velho econômico de amanhã. Os psicóticos econômicos dominantes não se deixam perturbar em suas explicações bizarras do mundo.
Aproximadamente três quartos da população mundial já foram declarados como lixo social. Uma "localização" após a outra cai no abismo. Depois dos desastrosos países "em desenvolvimento" do Hemisfério Sul e após o departamento do capitalismo de Estado da sociedade mundial de trabalho no Leste, também os discípulos exemplares da economia de mercado no Sudeste Asiático desapareceram no [bojo] do colapso. Também na Europa se espalha há muito tempo o pânico social.
Os cavaleiros da triste figura da política e do gerenciamento continuam em sua cruzada ainda mais ferrenha em nome do deus-trabalho.
"Cada um deve poder viver de seu trabalho: é o principio posto. Assim, o poder-viver é determinado pelo trabalho e não há nenhuma lei onde esta condição não foi realizada. " Johann Gottieb Fichte, Fundamentos do Direito Natural segundo os Princípios da Doutrina-da-Ciência 1797.
(...)
6. Trabalho e capital são os dois lados da mesma moeda
A esquerda política sempre adorou entusiasticamente o trabalho. Ela não só elevou o trabalho à essência do homem, mas também mistificou-o como pretenso contra-princípio do capital. O escândalo não era o trabalho, mas apenas a sua exploração pelo capital. Por isso, o programa de todos os "partidos de trabalhadores" foi sempre "libertar o trabalho" e não "libertar do trabalho". A oposição social entre capital e trabalho é apenas uma oposição de interesses diferenciados (é verdade que de poderes muito diferenciados) internamente ao fim em si mesmo capitalista. A luta de classes era a forma de execução desses interesses antagônicos no seio do fundamento social comum do sistema produtor de mercadorias. Ela pertencia à dinâmica interna da valorização do capital. Se se tratava de luta por salários, direitos, condições de trabalho ou postos de trabalho: o pressuposto cego continuava sempre sendo a Roda-Viva dominante com seus princípios irracionais.
Tanto do ponto de vista do trabalho quanto do capital, pouco importa o conteúdo qualitativo da produção. O que interessa é apenas a possibilidade de vender de forma otimizada a força de trabalho. Não se trata da determinação em conjunto sobre o sentido e o fim da própria atividade. Se houve algum dia a esperança de poder realizar uma tal autodeterminação da produção dentro das formas do sistema produtor de mercadorias, hoje as "forças de trabalho" já perderam, e há tempos, esta ilusão. Hoje interessa apenas o "posto de trabalho", a "ocupação" – já esses conceitos comprovam o caráter de fim em si mesmo de todo esse empreendimento e a menoridade dos envolvidos.
O que, para que e com que conseqüências se produz, no fundo não interessa, nem ao vendedor da mercadoria força de trabalho, nem ao comprador. Os trabalhadores das usinas nucleares e das indústrias químicas protestam ainda mais veementemente quando se pretende desativar as suas bombas-relógio. E os "ocupados" da Volkswagen, Ford e Toyota são os defensores mais fanáticos do programa suicida automobilístico. Não só porque eles precisam obrigatoriamente se vender só para "poder" viver, mas porque eles se identificam realmente com a sua existência limitada. Para sociólogos, sindicalistas, sacerdotes e outros teólogos profissionais da "questão social", este fato é a comprovação do valor ético-moral do trabalho. Trabalho forma a personalidade. É verdade. Isto é, a personalidade de zumbis da produção de mercadorias, que não conseguem mais imaginar a vida fora de sua Roda-Viva fervorosamente amada, para a qual eles próprios se preparam diariamente.
Assim como não era a classe trabalhadora enquanto tal a contradição antagônica ao capital e o sujeito da emancipação humana, assim também, por outro lado, os capitalistas e executivos não dirigem a sociedade seguindo a maldade de uma vontade subjetiva de explorador. Nenhuma casta dominante viveu, em toda a história, uma vida tão miserável e não livre como os acossados executivos da Microsoft, Daimler-Chrysler ou Sony. Qualquer senhorio medieval teria desprezado profundamente essas pessoas. Pois, enquanto ele podia se dedicar ao ócio e gastar sua riqueza em orgias, as elites da sociedade do trabalho não podem se permitir nenhum intervalo. Mesmo fora da Roda-Viva, eles não sabem fazer outra coisa consigo mesmos a não ser infantilizarem-se. Ócio, prazer intelectual e sensual lhes são tão estranhos quanto o seu material humano. Eles mesmos são servos do deus-trabalho, meras elites funcionais do fim em si mesmo social irracional.
O deus dominante sabe impor sua vontade sem sujeito através da "coerção silenciosa" da concorrência, à qual precisam se curvar também os poderosos, sobretudo quando administram centenas de fábricas e transferem somas milionárias pelo globo. Se eles não fizerem isso, são colocados de lado do mesmo modo brutal como as "forças de trabalho" supérfluas. Mas é justamente sua menoridade que faz com que os funcionários do capital sejam tão incomensuravelmente perigosos, e não a sua vontade subjetiva de exploração. Eles são quem têm menos direito de perguntar pelo sentido e pelas conseqüências de suas atividades ininterruptas, não podem permitir a si mesmos sentimentos nem considerações. Por isso eles falam de realismo quando devastam o mundo, tornam as cidades cada vez mais feias e deixam os homens empobrecerem no meio da riqueza.
"O trabalho tem cada vez mais a boa consciência ao seu lado: atualmente a inclinação para a alegria chama-se ‘necessidade de recreação’ e começa a ter vergonha de si mesma. ‘Deve-se fazer isto pela saúde’ assim se diz quando se é surpreendido num passeio pelo campo. Pois logo poder-se-á chegar ao ponto em que a gente não mais ceda a uma inclinação para a vida contemplativa (isto é, a um passeio com pensamentos e amigos) sem má consciência e desprezo de si. " (Friedrich Nietzsche, Ócio e Ociosidade, 1882)
7. Trabalho é domínio patriarcal
Mesmo que a lógica do trabalho e de sua metamorfose em matéria-dinheiro insista, nem todas as esferas sociais e atividades necessárias deixam-se embutir sob pressão na esfera do tempo abstrato. Por isso, surgiu junto com a esfera "separada" do trabalho, de certa forma como seu avesso, também a esfera privada doméstica, da família e da intimidade.
Nesta esfera definida como "feminina" restam as numerosas e repetidas atividades da vida cotidiana que não podem ser, salvo excepcionalmente, transformadas em dinheiro: da faxina à cozinha, passando pela educação das crianças e a assistência aos idosos até o "trabalho de amor" da dona de casa típica ideal, que reconstrói seu marido trabalhador esgotado e que lhe permite "abastecer seus sentimentos". A esfera da intimidade, como avesso do trabalho, é declarada pela ideologia burguesa da família como o refúgio da "vida verdadeira" – mesmo se na realidade ela é, antes, um inferno da intimidade. Trata-se justamente não de uma esfera de vida melhor e verdadeira, mas de uma forma de existência tão reduzida quanto limitada, só com os sinais invertidos. Essa esfera é ela própria um produto do trabalho, cindida dele, mas só existente em relação a ele. Sem o espaço social cindido das formas de atividade "femininas", a sociedade do trabalho nunca poderia ter funcionado. Este espaço é seu pressuposto silencioso e ao mesmo tempo seu resultado específico.
Isto vale também para os estereótipos sexuais que foram generalizados no decorrer do desenvolvimento do sistema produtor de mercadorias. Não é por acaso que se fortaleceu o preconceito em massa da imagem da mulher dirigida irracional e emocionalmente, natural e impulsiva, juntamente com a imagem do homem trabalhador, produtor de cultura, racional e auto-controlado. E também não é por acaso que o auto-adestramento do homem branco para as exigências insolentes do trabalho e para sua administração humana estatal foi acompanhado por seculares e enfurecidas "caças às bruxas". Simultaneamente a estas, inicia-se a apropriação do mundo pelas ciências naturais, desde já contaminadas em suas raízes pelo fim em si mesmo da sociedade do trabalho e pelas atribuições de gênero. Dessa maneira, o homem branco, para poder "funcionar" sem atrito, expulsou de si mesmo todos os sentimentos e necessidades emocionais que, no reino do trabalho, só contam como fatores de perturbação.
No século XX, em especial nas democracias fordistas do pós-guerra, as mulheres foram cada vez mais integradas no sistema de trabalho, mas o resultado disso foi apenas a consciência feminina esquizóide. Pois, de um lado, o avanço das mulheres na esfera de trabalho não poderia trazer nenhuma libertação, mas apenas o ajuste ao deus-trabalho, como entre os homens. De outro lado, persistiu incólume a estrutura de "cisão", e assim também as esferas das atividades ditas "femininas", externas ao trabalho oficial. As mulheres foram submetidas, desta maneira, à carga dupla e, ao mesmo tempo, expostas a imperativos sociais totalmente antagônicos. Dentro da esfera do trabalho elas ficaram até hoje, na sua grande maioria, em posições mal pagas e subalternas.
Nenhuma luta, inerente ao sistema, por cotas femininas de carreira e oportunidades pode mudar alguma coisa disso. A visão burguesa miserável de "unificação da profissão e família" deixa totalmente intocada a separação de esferas do sistema produtor de mercadorias, e com isso também a estrutura de "cisão" de gênero. Para a maioria das mulheres esta perspectiva não é vivenciável, para a minoria daquelas que "ganham melhor" ela torna-se uma posição pérfida de ganhador no apartheidsocial, na medida em que pode-se delegar o trabalho doméstico e a criação dos filhos a empregadas mal pagas (e "obviamente" femininas).
Na sociedade como um todo, a sagrada esfera burguesa da assim chamada vida privada e de família é, na verdade, cada vez mais minada e degradada, porque a usurpação da sociedade do trabalho exige da pessoa inteira o sacrifício completo, a mobilidade e a adaptação temporal. O patriarcado não é abolido, mas passa por um asselvajamento na crise inconfessa da sociedade do trabalho. Na mesma medida em que o sistema produtor de mercadorias entra em colapso, as mulheres tornam-se responsáveis pela sobrevivência em todos os níveis, enquanto o mundo "masculino" prolonga simulativamente as categorias da sociedade do trabalho.
"A humanidade teve que se submeter a terríveis provações até que se formasse o eu, o caráter idêntico, determinado e viril do homem, e toda infância ainda é de certa forma a repetição disso".
(Max Horkheimer & Theodor W. Adorno, Dialéctica do Esclarecimento)
8. Trabalho é a atividade da menoridade
Não só de fato, mas também conceitualmente, demonstra-se a identidade entre trabalho e menoridade. Até há poucos séculos, os homens tinham consciência do nexo entre trabalho e coerção social. Na maioria das línguas européias, o termo "trabalho" relaciona-se originalmente apenas com a atividade de uma pessoa juridicamente menor, do dependente, do servo ou do escravo. Nos países de língua germânica, a palavra "Arbeit" significa trabalho árduo de uma criança órfã e, por isso, serva. No latim, "laborare" significava algo como o "cambalear do corpo sob uma carga pesada", e em geral é usado para designar o sofrimento e o mau trato do escravo. As palavras latinas "travail", "trabajo" etc. derivam-se do latim, "tripalium", uma espécie de jugo utilizado para a tortura e o castigo de escravos e outros não livres. A expressão idiomática alemã – "jugo do trabalho" ("Joch der Arbeit") – ainda faz lembrar este sentido.
"Trabalho", portanto, pela sua origem etimológica também não é sinônimo de uma atividade humana auto-determinada, mas aponta para um destino social infeliz. É a atividade daqueles que perderam sua liberdade. A ampliação do trabalho a todos os membros da sociedade é, por isso, nada mais que a generalização da dependência servil, e sua adoração moderna apenas a elevação quase religiosa deste estado. Esta relação pôde ser reprimida com êxito e a impertinência social interiorizada, porque a generalização do trabalho foi acompanhada pela sua "objetivação" por meio do moderno sistema produtor de mercadorias: a maioria das pessoas não está mais sob o chicote de um senhor pessoal. A dependência social tornou-se uma relação abstrata do sistema e, justamente por isso, total. Ela pode ser sentida em todos os lugares, mas não é palpável. Quando cada um tornou-se servo, tornou-se ao mesmo tempo senhor, o seu próprio traficante de escravo e feitor. Todos obedecem ao deus invisível do sistema, o "Grande Irmão" da valorização do capital, que os subjugou sob o "tripalium".
9. A história sangrenta da imposição do trabalho
A história da modernidade é a história da imposição do trabalho que deixou seu rastro amplo de devastação e horror em todo o planeta. Nunca a impertinência de gastar a maior parte de sua energia vital para um fim em si mesmo determinado externamente foi tão interiorizada como hoje. Vários séculos de violência aberta em grande escala foram precisos para torturar os homens a fim de fazê-los prestar serviço incondicional ao deus-trabalho.
O início, ao contrário do que se diz comumente, não foi a ampliação das relações de mercado com um conseqüente "crescimento do bem-estar", mas sim a fome insaciável por dinheiro dos aparelhos do Estado absolutista, para financiar as primeiras máquinas militares modernas. Somente pelo interesse desses aparelhos, que pela primeira vez na história sufocaram toda uma sociedade burocraticamente, acelerou-se o desenvolvimento do capital mercantil e financeiro urbano, ultrapassando as formas comerciais tradicionais. Somente desta maneira o dinheiro tornou-se o motivo social central, e o abstractum trabalho uma exigência social central, sem levar em consideração as necessidades.
Não foi voluntariamente que a maioria dos homens passou a uma produção para mercados anônimos e assim a uma economia monetária generalizada, mas antes porque a fome absolutista por dinheiro monetarizou os impostos, aumentando-os simultaneamente de forma exorbitante. Eles não precisavam "ganhar dinheiro" para si mesmos, mas sim para o militarizado Estado de armas de fogo, protomoderno, para sua logística e sua burocracia. Assim, e não de outra forma, nasceu o fim em si mesmo absurdo da valorização do capital e do trabalho.
Não demorou muito para que os impostos monetários e as taxas não fossem mais suficientes. Os burocratas absolutistas e os administradores do capital financeiro começaram a organizar coercitivamente os homens diretamente como material de uma máquina social para a transformação de trabalho em dinheiro. O modo tradicional de vida e de existência da população foi destruído; não porque esta população estava se "desenvolvendo" voluntariamente e de maneira auto-determinada, mas porque ela precisava servir como material humano para uma máquina de valorização já acionada. Os homens foram expulsos de suas roças à força de armas para dar lugar à criação de ovinos para as manufaturas de lã. Direitos antigos como a liberdade de caça, pesca e coleta de lenha nas florestas foram extintos. E quando as massas pauperizadas perambularam mendigando e roubando pelo território, foram, então, internadas em casas de trabalho e manufaturas para serem maltratadas com máquinas de tortura de trabalho e para adquirirem a pauladas uma consciência de escravos, a fim de se tornarem animais de trabalho obedientes.
Mas, também a transformação por etapas de seus vassalos em material do deus-trabalho fazedor de dinheiro não foi suficiente para os Estados absolutistas monstruosos. Eles ampliaram suas pretensões também a outros continentes. A colonização interna da Europa foi acompanhada pela colonização externa, primeiro nas duas Américas e em partes da África. Ali, os feitores do trabalho perderam definitivamente seus pudores. Em campanhas militares de roubo, destruição e extermínio sem precedentes, eles assaltaram os mundos recentemente "descobertos" – lá as vítimas nem eram consideradas seres humanos. Em sua aurora, o Poder europeu antropófago da sociedade do trabalho definiu as culturas estrangeiras subjugadas como "selvagens" e antropófagas.
Com isso, foi criada a lei de legitimação para eliminá-los ou escravizá-los aos milhões. A escravidão em sentido literal, que nas economias coloniais de plantation de matérias-primas ultrapassou em dimensões a escravidão antiga, faz parte dos crimes fundadores do sistema produtor de mercadorias. Ali foi utilizado em grande estilo, pela primeira vez, a "destruição através do trabalho". Isso foi a segunda fundação da sociedade do trabalho. Com os "selvagens", o homem branco, que já era marcado pelo auto-disciplinamento, podia liberar o ódio de si próprio reprimido e seu complexo de inferioridade. Os "selvagens" equivaliam para eles às "mulheres", isto é, semi-seres entre o homem e o animal, primitivos e naturais. Immanuel Kant supunha, com precisão lógica, que o babuíno saberia falar se quisesse, só não falava porque temia ser recrutado para o trabalho.
Este raciocínio grotesco joga uma luz reveladora sobre o Iluminismo. O ethos repressivo do trabalho da modernidade, que se baseou, em sua versão protestante original, na misericórdia divina e, a partir do Iluminismo, na lei natural, foi mascarado como "missão civilizatória". Cultura, neste sentido, é submissão voluntária ao trabalho; e trabalho é masculino, branco e "ocidental". O contrário, o não-humano, a natureza disforme e sem cultura, é feminino, de cor e "exótico", portanto, a ser colocado sob coerção. Numa palavra: o "universalismo" da sociedade do trabalho já é totalmente racista desde sua raiz. O abstractum trabalho universal só pode se auto-definir pelo distanciamento de tudo o que não está fundido a ele.
Não foram os pacíficos comerciantes das antigas rotas mercantis – de onde nasceu a burguesia moderna que, finalmente, herdou o absolutismo – que formaram o húmus social do "empresariado" moderno, mas sim os condottieri das ordas mercenárias da proto-modernidade, os administradores do trabalho e das cadeias, os arrendatários do direito de coleta de impostos, os feitores de escravos e os agiotas. As revoluções burguesas do século XVIII e XIX não têm nenhuma relação com a emancipação; elas apenas reorganizaram as relações de poder internamente ao sistema de coerção criado, separaram as instituições da sociedade do trabalho dos interesses dinásticos ultrapassados e impulsionaram a sua objetivação e despersonalização. Foi a gloriosa Revolução Francesa que declarou com pathos específico o dever ao trabalho e introduziu, numa "lei de eliminação da mendicância", novas prisões de trabalho.
Isto foi exatamente o contrário daquilo que pretendiam os movimentos sociais rebeldes, que cintilaram à margem das revoluções burguesas sem a elas se integrarem. Já muito antes, houve formas autônomas de resistência e rejeição com as quais a historiografia oficial da sociedade do trabalho e da modernização não soube como lidar. Os produtores das antigas sociedades agrárias, que nunca concordaram completamente sem atritos com as relações de poder feudais, não queriam, de modo algum, conformar-se como "classe trabalhadora" de um sistema externo. Das guerras camponesas do século XV e XVI, até os levantes posteriormente denunciados como Ludditas, ou destruidores de máquinas, e a revolta dos tecelões da Silésia de 1844, ocorre uma seqüência de lutas encarniçadas de resistência contra o trabalho. A imposição da sociedade do trabalho e uma guerra civil – às vezes aberta, às vezes latente – no decorrer dos séculos, foram idênticas.
As antigas sociedades agrárias eram tudo menos paradisíacas. Mas a coerção monstruosa da invasão da sociedade do trabalho foi vivenciada, pela maioria, como uma piora e como um "período de desespero". Com efeito, apesar do estreitamento das relações, os homens ainda tinham algo a perder. O que, na falsa consciência do mundo moderno aparece inventado como uma calamitosa Idade Média de escuridão e praga foi, na realidade, o terror de sua própria história. Nas culturas pré e não-capitalistas, dentro e fora da Europa, o tempo de atividade de produção diária ou anual era muito mais reduzido do que hoje, para os "ocupados" modernos em fábricas e escritórios. Aquela produção estava longe de ser intensificada como na sociedade do trabalho, pois estava permeada por uma nítida cultura de ócio e de "lentidão" relativa. Excetuando-se catástrofes naturais, as necessidades básicas materiais estavam muito mais asseguradas do que em muitos períodos da modernização, e melhor também do que nas horríveis favelas do atual mundo em crise. Além disso, o poder não entrava tanto nos poros como nas sociedades do trabalho totalmente burocratizadas.
Por isso, a resistência contra o trabalho só poderia ser quebrada militarmente. Até hoje, os ideólogos da sociedade do trabalho dissimulam, afirmando que a cultura dos produtores pré-modernos não era "desenvolvida", e que ela teria se afogado em seu próprio sangue. Os atuais esclarecidos democratas do trabalho responsabilizam por essas monstruosidades, preferencialmente, as "condições pré-democráticas" de um passado soterrado, com o qual eles não teriam nada a ver. Eles não querem admitir que a história terrorista originária da modernidade revela também a essência da atual sociedade do trabalho. A administração burocrática do trabalho e a integração estatal dos homens nas democracias industriais nunca puderam negar suas origens absolutistas e coloniais. Sob a forma de objetivação de uma relação impessoal do sistema, cresceu a administração repressiva dos homens em nome do deus-trabalho, penetrando em todas as esferas da vida.
Exatamente hoje, na agonia do trabalho, sente-se novamente a mão férrea burocrática, como nos primórdios da sociedade do trabalho. A administração do trabalho revela-se como o sistema de coerção que sempre fora, na medida em que organiza o apartheid social e procura banir, em vão, a crise através da democrática escravidão estatal. De modo semelhante, o absurdo colonial regressa na administração econômica coercitiva dos países seqüencialmente já arruinados da periferia através do Fundo Monetário Internacional. Após a morte de seu deus, a sociedade do trabalho relembra, em todos os aspectos, os métodos de seus crimes de fundação, que, mesmo assim, não a salvarão.
"O bárbaro é preguiçoso e diferencia-se do homem culto na medida em que fica mergulhado em seu embrutecimento, pois a formação prática consiste justamente no hábito e na necessidade de ocupação". (Georg W.F. Hegel, Princípios da Filosofia do Direito, 1821)
"No fundo agora se sente... que um tal trabalho é a melhor polícia, pois detém qualquer um e sabe impedir fortemente o desenvolvimento da razão, da voluptuosidade e do desejo de independência. Pois ele faz despender extraordinariamente muita força de nervos, e despoja esta força da reflexão, da meditação, do sonhar, do inquietar-se, do amar e do odiar: " (Friedrich Nietzsche, Os apologistas do trabalho,1881.
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13. A simulação cassino-capitalista da sociedade do trabalho
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O deus-trabalho está clinicamente morto, mas recebe respiração artificial através da expansão aparentemente autonomizada dos mercados financeiros. Há tempos, empresas industriais têm ganhos que já não resultam da produção e da venda de produtos reais – o que já se tornou um negócio deficitário – mas, sim, da participação feita por um departamento financeiro "esperto" na especulação de ações e divisas. Os orçamentos públicos demonstram entradas que não resultam de impostos ou tomadas de créditos, mas da participação aplicada da administração financeira nos mercados de cassino. Os orçamentos privados, nos quais as entradas reais de salários reduziram-se dramaticamente, conseguem manter ainda um consumo elevado através dos empréstimos dos ganhos nos mercados acionários. Cria-se, assim, uma nova forma de demanda artificial que, por sua vez, tem como conseqüência uma produção real e uma receita estatal real "sem chão para os pés".
Desta maneira, a crise econômica mundial está sendo adiada pelo processo especulativo; mas, como o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade só pode ser a antecipação de utilização ou futuro dispêndio real de trabalho (em escala astronômica correspondente) – o que nunca mais será feito – então, o embuste objetivado será desmascarado, necessariamente, após um certo tempo de encubação. O colapso dos "emerging markets" na Ásia, na América Latina e no Leste Europeu forneceu apenas o primeiro gostinho. É apenas uma questão de tempo para que entrem em colapso os mercados financeiros dos centros capitalistas dos EUA, União Européia e Japão.
Este contexto é percebido de uma forma totalmente distorcida na consciência fetichizada da sociedade do trabalho e, principalmente, na dos "críticos do capitalismo" tradicionais da esquerda e da direita. Fixados no fantasma do trabalho, que foi enobrecido enquanto condição existencial supra histórica e positiva, eles confundem, sistematicamente, causa e efeito. O adiamento temporário da crise, pela expansão especulativa dos mercados financeiros, aparece, assim, de forma invertida, como suposta causa da crise. Os "especuladores malvados", assim chamados na hora do pânico, arruínam toda a sociedade do trabalho porque gastam o "bom dinheiro" que "existe de sobra" no cassino, ao invés de investirem de uma maneira sólida e bem comportada em maravilhosos "postos de trabalho", a fim de que uma humanidade louca por trabalho possa ter o seu "pleno emprego".
Simplesmente não entra nestas cabeças, de modo algum, que a especulação fez os investimentos reais pararem, mas estes já se tornaram não rentáveis em decorrência da terceira revolução industrial, e a alta especulativa é apenas um sintoma disso. O dinheiro que aparentemente circula em quantidades infinitas já não é, mesmo no sentido capitalista, um "bom dinheiro", mas apenas "ar quente" com o qual a bolha especulativa foi levantada. Cada tentativa de estourar esta bolha, por meio de qualquer projeto de medida fiscal (imposto Tobin etc.) para dirigir o capital-dinheiro novamente para as Rodas pretensamente "corretas" e reais da sociedade do trabalho, só pode levá-la a estourar mais rapidamente.
Em vez de compreenderem que nós todos nos tornaremos, incessantemente, não rentáveis, e que por isso, precisam ser atacados tanto o próprio critério da rentabilidade quanto os fundamentos da sociedade do trabalho, eles preferem satanizar os "especuladores". Esta imagem barata de inimigo é cultivada em uníssono pelos radicais da direita e autônomos da esquerda, funcionários sindicalistas pequenos burgueses e nostálgicos keynesianos, teólogos sociais e apresentadores detalk shows, enfim, todos os apóstolos do "trabalho honrado". Poucos estão conscientes de que, deste ponto até a remobilização da loucura anti-semita, existe apenas um pequeno passo. Apelar ao capital real "produtivo" e "de sangue nacional" contra o capital-dinheiro "judaico", internacional e "usurário" – esta ameaça ser a última palavra da "esquerda dos postos de trabalho", intelectualmente perdida. De qualquer maneira, esta já é a última palavra da "direita dos postos de trabalho", desde sempre racista, anti-semita e antiamericana.
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16. A superação do trabalho
A ruptura categorial com o trabalho não encontra nenhum campo social pronto e objetivamente determinado, como no caso da luta de interesses limitada e imanente ao sistema. Trata-se da ruptura com uma falsa normatividade objetivada de uma "segunda natureza", portanto não da repetição de uma execução quase automática, mas de uma conscientização negadora – recusa e rebelião sem qualquer "lei da história" como apoio. O ponto de partida não pode ser algum novo princípio abstrato geral, mas apenas o nojo perante a própria existência enquanto sujeito do trabalho e da concorrência, e a rejeição categórica do dever de continuar "funcionando" num nível cada vez mais miserável.
Apesar de sua predominância absoluta, o trabalho nunca conseguiu apagar totalmente a repugnância contra as coerções impostas por ele. Ao lado de todos os fundamentalismos regressivos e de todos os desvarios de concorrência da seleção social, existe também um potencial de protesto e resistência. O mal-estar no capitalismo está maciçamente presente, mas é reprimido para o subsolo sócio-psíquico. Não se apela a este mal-estar. Por isso, precisa-se de um novo espaço livre intelectual para poder tornar pensável o impensável.
O monopólio de interpretação do mundo pelo campo do trabalho precisa ser rompido. A crítica teórica do trabalho ganha, assim, um papel de catalisador. Ela tem o dever de atacar, frontalmente, as proibições dominantes do pensar; e expressar, aberta e claramente, aquilo que ninguém ousa saber, mas que muitos sentem: a sociedade do trabalho está definitivamente no seu fim. E não há a menor razão para lamentar sua agonia.
Somente a crítica do trabalho formulada expressamente e um debate teórico correspondente podem criar aquela nova contra-esfera pública, que é um pressuposto indispensável para construir um movimento de prática social contra o trabalho. As disputas internas ao campo de trabalho esgotaram-se e tornaram-se cada vez mais absurdas. É, portanto, mais urgente, redefinir as linhas de conflitos sociais nas quais uma união contra o trabalho possa ser formada. Precisam ser esboçadas em linhas gerais quais são as diretrizes possíveis para um mundo além do trabalho. O programa contra o trabalho não se alimenta de um cânon de princípios positivos, mas a partir da força da negação. Se a imposição do trabalho foi acompanhada por uma longa expropriação do homem das condições de sua própria vida, então a negação da sociedade do trabalho só pode consistir em que os homens se reapropriem da sua relação social num nível histórico superior.
Por isso, os inimigos do trabalho almejam a formação de uniões mundiais de indivíduos livremente associados, para que arranquem da máquina de trabalho e valorização que gira em falso os meios de produção e existência, tomando-os em suas próprias mãos. Somente na luta contra a monopolização de todos os recursos sociais e potenciais de riqueza pelas forças alienadoras do mercado e Estado podem ser ocupados os espaços sociais de emancipação. Também a propriedade privada precisa ser atacada de um modo diferente e novo. Para a esquerda tradicional, a propriedade privada não era a forma jurídica do sistema produtor de mercadorias, mas apenas um poder de "disposição" ominoso e subjetivo dos capitalistas sobre os recursos. Assim, pode aparecer a idéia absurda de querer superar a propriedade privada no terreno da produção de mercadorias. Então, como oposição à propriedade privada aparecia, em regra, a propriedade estatal ("estatização"). Mas o Estado não é outra coisa senão a associação coercitiva exterior ou a universalidade abstrata de produtores de mercadorias socialmente atomizados, a propriedade estatal é apenas uma forma derivada da propriedade privada, tanto faz se com ou sem o adjetivo socialista.
Na crise da sociedade do trabalho, tanto a propriedade privada quanto a propriedade estatal ficam obsoletas porque as duas formas de propriedade pressupõem do mesmo modo o processo de valorização. É por isso que os correspondentes meios materiais ficam crescentemente em "pousio" ou reclusos. De maneira ciumenta, funcionários estatais, empresariais e jurídicos vigiam para que isto continue assim e para que os meios de produção antes apodreçam do que sejam utilizados para um outro fim. A conquista dos meios de produção por associações livres contra a administração coercitiva estatal e jurídica só pode significar que esses meios de produção não sejam mais mobilizados sob a forma da produção de mercadorias para mercados anônimos. Em lugar da produção de mercadorias, entra a discussão direta o acordo e a decisão conjunta dos membros da sociedade sobre o uso sensato de recursos. A identidade institucional social entre produtores e consumidores, impensável sobre o ditado do fim em si mesmo capitalista, será construída. As instituições alienadas pelo mercado e pelo Estado serão substituídas pelo sistema em rede de conselhos, nos quais as livres associações, da escala dos bairros até a mundial, determinam o fluxo de recursos conforme pontos de vista da razão sensível social e ecológica.
Não é mais o fim em si mesmo do trabalho e da "ocupação" que determina a vida, mas a organização da utilização sensata de possibilidades comuns, que não serão dirigidas por uma "mão invisível" automática, mas por uma ação social consciente. A riqueza produzida é apropriada diretamente segundo as necessidades, não segundo o "poder de compra". Junto com o trabalho, desaparece a universalidade abstrata do dinheiro, tal como aquela do Estado. Em lugar de nações separadas, uma sociedade mundial que não necessita mais de fronteiras e na qual todas as pessoas podem se deslocar livremente e exigir em qualquer lugar o direito de permanência universal.
A crítica do trabalho é uma declaração de guerra contra a ordem dominante, sem a coexistência pacífica de nichos com as suas respectivas coerções. O lema da emancipação social só pode ser: tomemos o que necessitamos ! Não nos arrastemos mais de joelhos sob o jugo dos mercados de trabalho e da administração democrática da crise! O pressuposto disso é o controle feito por novas formas sociais de organização (associações livres, conselhos) sobre as condições de reprodução de toda a sociedade. Esta pretensão diferencia fundamentalmente os inimigos do trabalho de todos os políticos de nichos e de todos os espíritos mesquinhos de um socialismo de colônias de pequenas hortas.
O domínio do trabalho cinde o indivíduo humano. Separa o sujeito econômico do cidadão, o animal de trabalho do homem de tempo livre, a esfera pública abstrata da esfera privada abstrata, a masculinidade produzida da feminilidade produzida, opondo assim ao indivíduo isolado sua própria relação social como um poder estranho e dominador. Os inimigos do trabalho almejam a superação dessa esquizofrenia através da apropriação concreta da relação social por homens conscientes, atuando auto-reflexivamente.
"O 'trabalho' é, em sua essência, a atividade não livre, não humana, não social, determinada pela propriedade privada e criando a propriedade privada. A superação da propriedade privada se efetivará somente quando ela for concebida como superação do 'trabalho'." (Karl Marx, Sobre o livro "O sistema nacional da economia política" de Friedrich List, 1845).
17. Um programa de abolições contra os amantes do trabalho
Os inimigos do trabalho serão acusados de não serem outra coisa que fantasistas. A história teria comprovado que uma sociedade que não se baseia nos princípios do trabalho, da coerção da produção, da concorrência de mercado e do egoísmo individual, não poderia funcionar. Vocês, apologistas do status quo, querem afirmar que a produção de mercadorias capitalistas trouxe, realmente, para a maioria dos homens, uma vida minimamente aceitável ? Vocês dizem "funcionar", quando justamente o crescimento saltitante de forças produtivas expulsa milhões de pessoas da humanidade, que podem então ficar felizes em sobreviver nos lixões ? Quando outros milhões suportam a vida corrida sob o ditado do trabalho no isolamento, na solidão, no doping sem prazer do espírito e adoecendo física e psiquicamente ? Quando o mundo se transforma num deserto só para fazer do dinheiro mais dinheiro ?
Pois bem. Este é realmente o modo como o seu grandioso sistema de trabalho "funciona". Estes resultados não queremos alcançar ! Sua auto-satisfação se baseia na sua ignorância e na fraqueza de sua memória. A única justificativa que encontram para seus crimes atuais e futuros é a situação do mundo que se baseia em seus crimes passados. Vocês esqueceram e reprimiram quantos massacres estatais foram necessários para impor, com torturas, a "lei natural" da sua mentira nos cérebros dos homens, tanto que seria quase uma felicidade ser "ocupado", determinado externamente, e deixado que se sugasse a energia de vida para o fim em si mesmo abstrato de seu deus-sistema.
Precisavam ser exterminadas todas as instituições da auto-organização e da cooperação auto-determinada das antigas sociedades agrárias, até que a humanidade fosse capaz de interiorizar o domínio do trabalho e do egoísmo. Talvez tenha sido feito um trabalho perfeito. Não somos otimistas exagerados. Não sabemos se existe ainda uma libertação desta existência condicionada. Fica em aberto a questão se o declínio do trabalho leva à superação da mania do trabalho ou ao fim da civilização.
Vocês argumentarão que com a superação da propriedade privada e da coerção de ganhar dinheiro, todas as atividades acabam e que se iniciará então uma preguiça generalizada. Vocês confessam portanto que todo seu sistema "natural" se baseia em pura coerção ? E que, por isso, vocês teimam ser a preguiça um pecado mortal contra o espírito do deus-trabalho ? Os inimigos do trabalho não têm nada contra a preguiça. Um dos nossos objetivos principais é a reconstrução da cultura do ócio, que antigamente todas as sociedades conheciam e que foi destruída para impor uma produção infatigável e vazia de sentido. Por isso, os inimigos do trabalho irão paralisar, sem compensação, em primeiro lugar, os inúmeros ramos de produção que apenas servem para manter, sem levar em conta quaisquer danos, o alucinado fim em si mesmo do sistema produtor de mercadorias.
Não falamos apenas das áreas de trabalho claramente inimigas públicas, como a indústria automobilística, a de armamentos e a de energia nuclear, mas também a da produção de múltiplas próteses de sentido e objetos ridículos de entretenimento que devem enganar e fingir para o homem do trabalho uma substituição para sua vida desperdiçada. Também terá de desaparecer o número monstruoso de atividades que só aparecem porque as massas de produtos precisam ser comprimidas para passar pelo buraco da agulha da forma-dinheiro e da mediação do mercado. Ou vocês acham que serão ainda necessários contadores e calculistas de custo, especialistas demarketing e vendedores, representantes e autores de textos de publicidade quando as coisas forem sendo produzidas conforme a necessidade, ou quando todos simplesmente tomarem o que for preciso?
Por que então ainda existir funcionários de secretaria de finanças e policiais, assistentes sociais e administradores de pobreza, quando não houver mais nenhuma propriedade privada a ser protegida, quando não for preciso administrar nenhuma miséria social e quando não for preciso domar ninguém para a coerção alienada do sistema ?
Já estamos ouvindo o grito: quantos empregos! Sim senhor. Calculem com calma quanto tempo de vida a humanidade se rouba diariamente só para acumular "trabalho morto", administrar pessoas e azeitar o sistema dominante. Quanto tempo nós todos poderíamos deitar ao sol, em vez de nos esfolar para coisas cujo caráter grotesco, repressivo e destruidor já se encheu bibliotecas inteiras. Mas não tenham medo. De forma alguma acabarão todas as atividades quando a coerção do trabalho desaparecer. Porém, toda a atividade muda seu caráter quando não está mais fixada na esfera de tempos de fluxo abstratos, esvaziada de sentido e com fim em si, podendo seguir, ao contrário o seu próprio ritmo, individualmente variado e integrado em contextos de vida pessoais; quando em grandes formas de organização os homens por si mesmos determinarem o curso, em vez de serem determinados pelo ditado da valorização empresarial. Por que deixar-se apressar pelas reivindicações insolentes de uma concorrência imposta? É o caso de redescobrir a lentidão.
Obviamente, também não desaparecerão as atividades domésticas e de assistência que a sociedade do trabalho tornou invisível, cindiu e definiu como "femininas". Cozinhar é tão pouco automatizável quanto trocar fraldas de bebê. Quando, junto com o trabalho, a separação das esferas sociais for superada, estas atividades necessárias podem aparecer sob organização social consciente, ultrapassando qualquer definição sexual. Elas perdem seu caráter repressivo quando pessoas não mais subsumem-se entre si, e quando são realizadas segundo as necessidades de homens e mulheres da mesma forma.
Não estamos dizendo que qualquer atividade torna-se, deste modo, prazer. Algumas mais, outras menos. Obviamente há sempre algo necessário a ser feito. Mas a quem isso poderia assustar se a vida não será devorada por isso ? E haverá sempre muito o que possa ser feito por decisão livre. Pois a atividade, assim como o ócio, é uma necessidade. Nem mesmo o trabalho conseguiu apagar totalmente esta necessidade, apenas a instrumentalizou e a sugou vampirescamente.
Os inimigos do trabalho não são fanáticos de um ativismo cego, nem de uma também cega madraçaria. Ócio, atividades necessárias e atividades livremente escolhidas devem ser colocados numa relação que se oriente pelas necessidades e pelos contextos de vida. Uma vez despojadas das coerções objetivas capitalistas do trabalho, as forças produtivas modernas podem ampliar enormemente o tempo livre disponível para todos. Por que passar, dia após dia, tantas horas em fábricas e escritórios se autômatos de todos os tipos podem assumir uma grande parte destas atividades ? Para que deixar suar centenas de corpos humanos quando algumas poucas ceifadoras resolvem ? Para que gastar o espírito com uma rotina que o computador, sem nenhum problema, executa ?
Todavia, para esses fins só podem ser utilizados a mínima parte da técnica na sua forma capitalista dada. A grande parte dos agregados técnicos precisa ser totalmente transformada porque foi construída segundo os padrões limitados da rentabilidade abstrata. Por outro lado, muitas possibilidades técnicas não foram ainda nem desenvolvidas pela mesma razão. Apesar da energia solar poder ser produzida em qualquer canto, a sociedade do trabalho põe no mundo usinas nucleares centralizadas e de alta periculosidade. E apesar de serem conhecidos métodos não agressivos na produção agrária, o cálculo abstrato do dinheiro joga milhares de venenos na água, destrói os solos e empesteia o ar. Só por razões empresariais, materiais de construção e alimentos estão sendo transportados três vezes em volta do globo, apesar de poderem ser produzidos sem grandes custos localmente. Uma grande parte da técnica capitalista é tão vazia de sentido e supérflua quanto o dispêndio de energia humana relacionada a ela.
Não estamos dizendo-lhes nada de novo. Mas mesmo assim, vocês sabem que nunca tirarão as conseqüências disto tudo, pois recusam qualquer decisão consciente sobre a aplicação sensata de meios de produção, transporte e comunicação e sobre quais deles são maléficos ou simplesmente supérfluos. Quanto mais apressados vocês rezam seu mantra da liberdade democrática, tanto mais aferradamente rejeitam a liberdade de decisão social mais elementar, porque querem continuar servindo ao cadáver dominante do trabalho e às suas pseudo "leis naturais".
"Que o trabalho, não somente nas condições atuais, mas em geral, na medida em que sua finalidade é a simples ampliação da riqueza, quer dizer, que o trabalho por si só seja prejudicial e funesto - isto sucede, sem que o economista nacional o saiba (Adam Smith), de suas própria exposições." (Karl Marx, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, 1844).
"A nossa vida é o assassinato pelo trabalho, durante sessenta anos ficamos enforcados e estrebuchando na corda, mas não a cortamos." (Georg Büchner, A Morte de Danton, 1835).
18. A luta contra o trabalho é anti-política.
A superação do trabalho é tudo menos uma utopia nas nuvens. A sociedade mundial não pode continuar na sua forma atual por mais cinqüenta ou cem anos. O fato de os inimigos do trabalho estarem às voltas com um deus-trabalho clinicamente morto não quer dizer que sua tarefa torna-se necessariamente mais fácil. Quanto mais a crise da sociedade do trabalho se agrava e quanto mais falham todas as tentativas de consertá-la, tanto mais cresce o abismo entre o isolamento de mônadas sociais abandonadas e as reivindicações de um movimento de apropriação da sociedade como um todo. O crescente asselvajamento das relações sociais em grandes partes do mundo demonstra que a velha consciência do trabalho e da concorrência desce a níveis cada vez mais baixos. A descivilização por etapas parece, apesar de todos os impulsos de um mal-estar no capitalismo, a forma do percurso natural da crise.
Justamente, face a perspectivas tão negativas, seria fatal colocar a crítica prática do trabalho ao cabo de um programa amplo em relação à sociedade como um todo e se limitar a construir uma economia precária de sobrevivência nas ruínas da sociedade do trabalho. A crítica do trabalho só tem uma chance quando luta contra a corrente da dessocialização, ao invés de se deixar levar por ela. Os padrões civilizatórios não podem ser mais defendidos com a política democrática, mas apenas contra ela.
Quem almeja a apropriação emancipatória e a transformação de todo o contexto social dificilmente pode ignorar a instância que até então organizou as condições gerais deste contexto. É impossível se revoltar contra a apropriação das próprias potencialidades sociais sem o confronto com o Estado. Pois o Estado não administra apenas cerca de metade da riqueza social, mas assegura também a subordinação coercitiva de todos os potenciais sociais sob o mandamento da valorização. Se tampouco os inimigos do trabalho podem ignorar o Estado e a política, tampouco podem fazer Estado e política com eles.
Quando o fim do trabalho é o fim da política, um movimento político para a superação do trabalho seria uma contradição em si. Os inimigos do trabalho dirigem reivindicações ao Estado, mas não formam nenhum partido político, nem nunca formarão. A finalidade da política só pode ser a conquista do aparelho do Estado para dar continuidade à sociedade do trabalho. Os inimigos do trabalho, por isso, não querem ocupar os painéis de controle do poder, mas sim desligá-los. A sua luta não é política, mas sim anti-política.
Na modernidade, Estado e política são inseparavelmente ligados ao sistema coercitivo do trabalho e, por isso, precisam desaparecer junto com ele. O palavreado sobre um renascimento da política é apenas a tentativa de reduzir a crítica do terror econômico a uma ação positiva referente ao Estado. Auto-organização e auto-determinação, porém, são simplesmente o oposto exato de Estado e política. A conquista de espaços livres sócio-econômicos e culturais não se realiza no desvio político, na via oficial, nem no extravio, mas através da constituição de uma contra-sociedade.
Liberdade quer dizer não se deixar embutir pelo mercado, nem se deixar administrar pelo Estado, mas organizar as relações sociais sob direção própria – sem a interferência de aparelhos alienados. Neste sentido, interessa aos inimigos do trabalho encontrar novas formas de movimentos sociais e ocupar pontos estratégicos para a reprodução da vida, para além do trabalho. Trata-se de juntar as formas de uma práxis de oposição social, com a recusa ofensiva do trabalho. Os poderes dominantes podem declarar-nos loucos porque arriscamos a ruptura com seu sistema coercitivo irracional. Não temos nada a perder senão a perspectiva da catástrofe para a qual eles nos conduzem. Temos a ganhar um mundo além do trabalho.
Proletários de todo mundo, ponham um fim nisto!
(*) Tradução de Heinz Dieter Heidemam com a colaboração de Claudio Duarte - Publicado nos Cadernos do Labur - nº 2 (Laboratório de Geografia Urbana/Departamento de Geografia/Universidade de S. Paulo). Contactos: labur@edu.usp.br
Tópicos complementares:
A Historia das Coisas (Dublado)
1-2 (3739 exibições)
A Historia das Coisas (Dublado)
2-2 (3472 exibições)
Desenvolvimento SEM EMPREGOS !!! América do Norte,
{China !!} , Europa e Japão estão extinguindo empregos.
Presos a Visão de Sociedade (centrada no trabalho) que já não funciona mais ? (Riqueza com extinção / exportação de empregos - "Jobless prosperity"
Sumário (Livro: Desenvolvimento sem Trabalho – Domenico De Masi – Editora Esfera)
Evoluindo de PRODUTIVIDADE para CRIATIVIDADE.
Será que a América do Norte, Europa e
Japão não estão atrasados nesta
Mudança de Perspectiva ?
Presos a uma Visão de Sociedade que
já não funciona mais ?
(Riqueza com extinção / exportação
de empregos)
Proposição:
O desafio de nossos avós e pais foi a Produtividade
(Produção / Horas de trabalho), a equação resumo
da Sociedade Industrial.
(Produção / Horas de trabalho), a equação resumo
da Sociedade Industrial.
Nosso desafio é a Criatividade (Idéias / Ócio (horas de)),
a equação resumo da Sociedade Pós-Industrial
(ou do Conhecimento). [1]
a equação resumo da Sociedade Pós-Industrial
(ou do Conhecimento). [1]
[1] O professor De Masi detalha - em um capítulo
do seu livro O Futuro do Trabalho - a Economia
do Ócio, fundada nesta equação, para demonstrar
que a proposta não é estimular a vagabundagem.
do seu livro O Futuro do Trabalho - a Economia
do Ócio, fundada nesta equação, para demonstrar
que a proposta não é estimular a vagabundagem.
E sim reformar a sociedade para otimizar a eficácia
no uso do recurso mais precioso da Humanidade, a
Criatividade, que até aqui ficava sacrificada, para a
maioria das pessoas, em beneficio do trabalho
manual e/ou executivo, requerido para a sobrevivência,
e cada vez mais delegado a povos de regiões menos
desenvolvidas e às máquinas.
no uso do recurso mais precioso da Humanidade, a
Criatividade, que até aqui ficava sacrificada, para a
maioria das pessoas, em beneficio do trabalho
manual e/ou executivo, requerido para a sobrevivência,
e cada vez mais delegado a povos de regiões menos
desenvolvidas e às máquinas.
Após um período, o mais curto possível, de educação
e aculturação, o nosso ideal deve ser liberar todos os
humanos dos trabalhos repetitivos (manuais ou
intelectuais), para exercerem seu pleno potencial,
como parte da grande Rede Neural de Gaia (nosso
planeta, segundo uma teoria de ecologistas).
e aculturação, o nosso ideal deve ser liberar todos os
humanos dos trabalhos repetitivos (manuais ou
intelectuais), para exercerem seu pleno potencial,
como parte da grande Rede Neural de Gaia (nosso
planeta, segundo uma teoria de ecologistas).
Texto completo em:
Domenico De Masi - A Emoção e
a Regra -
O Ócio Criativo
Trecho:
Domenico de Masi
De Masi nasceu em Rotello, na província de Campobasso,
no sul da Itália, no dia 1º de fevereiro de 1938.
Viveu em três cidades diferentes: Nápoles, Roma e Milão.
Viajou muito.
Para usar uma expressão adequada ao mundo cadenciado
da escola, pode-se dizer que ele sempre foi “adiantado em
um ano”. Tanto no sentido metafórico, porque nutre um
interesse obstinado pelo futuro, como no sentido literal,
porque pulou alguns anos do curso primário e continuou a
queimar quase todas as etapas clássicas.
Aos dezenove anos, já publicava, na revista Nord e Sud,
ensaios de Sociologia Urbana e do Trabalho. Com vinte
e dois ensinava na Universidade de Nápoles. E depois,
por mais de trinta anos, desenvolveu uma atividade
frenética.
Com sua primeira mulher teve duas filhas, que criou
durante alguns anos como “pai solteiro”. É
apaixonado pela estética, por decoração e até pelos
vários tipos de rendas e – acreditem – cuida da
casa quase tanto quanto sua atual mulher.
Quando começou a encontrar-se com Serena
Palieri para escrever O Ócio Criativo, sua
agenda anual acumulava uma multiplicidade de
tarefas: professor de Sociologia do Trabalho
na Universidade La Sapienza de Roma, diretor
da S3. Studium, a escola de especialização
em ciências organizacionais que fundou, editor
de uma coleção publicada pela Franco Angeli e
de uma outra para a Edizioni Olivares, consultor de
formação em administração, assessor cultural da
Prefeitura de Ravello (a cidadezinha da costa
amalfitana onde passa os meses de verão), além
de autor de inúmeros artigos para revistas e jornais
e, periodicamente, escritor de alguns livros.
Durante a semana, dava regularmente suas aulas
na universidade e muitas vezes viajava para outras
cidades.
Já na escala cotidiana, chegava a ter cinco ou
seis compromissos por dia. E como a tudo isso
se somavam o estudo e a diversão, o seu dia
acabava quase sempre durando vinte horas.
Isto porque De Masi pertence àquele tipo de
pessoa que dorme três-quatro horas por noite.
Onde fica “o ócio”, então?
Vamos observar a trajetória do professor:
ele simplesmente passou do frenético ao
humano.
Daqueles dez mil prazos e compromissos a
cumprir, quantos sobraram hoje? A carga
horária fixa das aulas na universidade e, ao
longo da semana, uma reunião com os
estudantes que estão para se formar, uma
outra na S3, uma para a redação da nova
revista Next, que ele dirige, um almoço na
Aspen, um convênio sobre mobbling, uma
entrevista a ser dada a algum jornal ou
estação de rádio, alguns jantares com os
amigos e o fim de semana dedicado ao
cinema ou para uma fugida até Ravello,
onde agora, fortalecido pelo título de
cidadão honorário adquirido neste meio
tempo, em vez de organizar concertos,
como fazia há cinco anos, limita-se
escutá-los.
Uma outra novidade: decidiu passar a
“exportar” as suas idéias, no lugar do seu
corpo físico: em vez de continuar a girar
pela Itália como um pião, recorre
De Masi conquistou condições de trabalho
privilegiadas? Se deixarmos predominar
o mesquinho sentimento da inveja,
diremos que sim. Mas, para dizer a verdade,
ele prova in corpore vili o que como sociólogo
propõe como receita social: uma forma de
teletrabalho feito em casa ou de qualquer
lugar, descentralizado do escritório.
Continua a ir dormir às três e meia ou
quatro da manhã, depois de ter lido,
escrito e limpado o correio eletrônico, e
continua a acordar às sete e quinze,
quando começa Prima pagina, uma
transmissão radiofônica que segue
assiduamente para evitar a leitura dos
jornais. Mas adicionou algum repouso
diurno, em doses homeopáticas: meia
hora depois do almoço, e quinze minutos
antes do jantar.
De Masi admite que adoeceu de
hiperatividade: “Não conseguia dizer
não a nenhum compromisso”, observa.
Admite que, subjetivamente, sua reflexão
sobre o “ócio criativo” brotou como uma
reação a toda aquela overdose. Assim
como –num sentido objetivo – ela nasceu
da constatação direta dos infinitos absurdos
organizacionais que angustiam o trabalho
nas empresas.
O "ócio" que De Masi prega não equivale
à indolência (sobre o seu ambivalente
prazer escreveu Roland Barthes com
tanta sabedoria). E ainda hoje, se lhe
perguntamos se nunca vadiou,
jogando tempo fora, o seu “não” é
acompanhado de um pulo da cadeira.
De Masi nasceu em Rotello, na província de Campobasso,
no sul da Itália, no dia 1º de fevereiro de 1938.
Viveu em três cidades diferentes: Nápoles, Roma e Milão.
Viajou muito.
Para usar uma expressão adequada ao mundo cadenciado
da escola, pode-se dizer que ele sempre foi “adiantado em
um ano”. Tanto no sentido metafórico, porque nutre um
interesse obstinado pelo futuro, como no sentido literal,
porque pulou alguns anos do curso primário e continuou a
queimar quase todas as etapas clássicas.
Aos dezenove anos, já publicava, na revista Nord e Sud,
ensaios de Sociologia Urbana e do Trabalho. Com vinte
e dois ensinava na Universidade de Nápoles. E depois,
por mais de trinta anos, desenvolveu uma atividade
frenética.
Com sua primeira mulher teve duas filhas, que criou
durante alguns anos como “pai solteiro”. É
apaixonado pela estética, por decoração e até pelos
vários tipos de rendas e – acreditem – cuida da
casa quase tanto quanto sua atual mulher.
Quando começou a encontrar-se com Serena
Palieri para escrever O Ócio Criativo, sua
agenda anual acumulava uma multiplicidade de
tarefas: professor de Sociologia do Trabalho
na Universidade La Sapienza de Roma, diretor
da S3. Studium, a escola de especialização
em ciências organizacionais que fundou, editor
de uma coleção publicada pela Franco Angeli e
de uma outra para a Edizioni Olivares, consultor de
formação em administração, assessor cultural da
Prefeitura de Ravello (a cidadezinha da costa
amalfitana onde passa os meses de verão), além
de autor de inúmeros artigos para revistas e jornais
e, periodicamente, escritor de alguns livros.
Durante a semana, dava regularmente suas aulas
na universidade e muitas vezes viajava para outras
cidades.
Já na escala cotidiana, chegava a ter cinco ou
seis compromissos por dia. E como a tudo isso
se somavam o estudo e a diversão, o seu dia
acabava quase sempre durando vinte horas.
Isto porque De Masi pertence àquele tipo de
pessoa que dorme três-quatro horas por noite.
Onde fica “o ócio”, então?
Vamos observar a trajetória do professor:
ele simplesmente passou do frenético ao
humano.
Daqueles dez mil prazos e compromissos a
cumprir, quantos sobraram hoje? A carga
horária fixa das aulas na universidade e, ao
longo da semana, uma reunião com os
estudantes que estão para se formar, uma
outra na S3, uma para a redação da nova
revista Next, que ele dirige, um almoço na
Aspen, um convênio sobre mobbling, uma
entrevista a ser dada a algum jornal ou
estação de rádio, alguns jantares com os
amigos e o fim de semana dedicado ao
cinema ou para uma fugida até Ravello,
onde agora, fortalecido pelo título de
cidadão honorário adquirido neste meio
tempo, em vez de organizar concertos,
como fazia há cinco anos, limita-se
escutá-los.
Como sociólogo que estuda a organização
social do trabalho, ele “otimizou” as suas
condições logísticas. O edifício no qual
mora e trabalha no Corso Vittorio
Emanuele se tornou seu quartel general.
No quinto andar encontra-se sua casa:
é alugada, mas tem uma vista sobre
os telhados mais lindos de Roma.
Num apartamento dois andares abaixo’,
a escola S3 estabeleceu a sua sede.
E isto, ele explica, acabou com a perda
de tempo e dinheiro necessários aos
deslocamentos entre a casa e o escritório.
Uma outra novidade: decidiu passar a
“exportar” as suas idéias, no lugar do seu
corpo físico: em vez de continuar a girar
pela Itália como um pião, recorre
sempre com maior freqüência a teleconferências,
escreve artigos ou livros em seu apartamento
em Ravello.
escreve artigos ou livros em seu apartamento
em Ravello.
privilegiadas? Se deixarmos predominar
o mesquinho sentimento da inveja,
diremos que sim. Mas, para dizer a verdade,
ele prova in corpore vili o que como sociólogo
propõe como receita social: uma forma de
teletrabalho feito em casa ou de qualquer
lugar, descentralizado do escritório.
Continua a ir dormir às três e meia ou
quatro da manhã, depois de ter lido,
escrito e limpado o correio eletrônico, e
continua a acordar às sete e quinze,
quando começa Prima pagina, uma
transmissão radiofônica que segue
assiduamente para evitar a leitura dos
jornais. Mas adicionou algum repouso
diurno, em doses homeopáticas: meia
hora depois do almoço, e quinze minutos
antes do jantar.
De Masi admite que adoeceu de
hiperatividade: “Não conseguia dizer
não a nenhum compromisso”, observa.
Admite que, subjetivamente, sua reflexão
sobre o “ócio criativo” brotou como uma
reação a toda aquela overdose. Assim
como –num sentido objetivo – ela nasceu
da constatação direta dos infinitos absurdos
organizacionais que angustiam o trabalho
nas empresas.
O "ócio" que De Masi prega não equivale
à indolência (sobre o seu ambivalente
prazer escreveu Roland Barthes com
tanta sabedoria). E ainda hoje, se lhe
perguntamos se nunca vadiou,
jogando tempo fora, o seu “não” é
acompanhado de um pulo da cadeira.
O Ócio Criativo
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O Ócio Criativo é título de um livro do sociólogo
do trabalho italiano Domenico De Masi e é
também um revolucionário conceito de trabalho
que o autor define através da intersecção
entre três elementos: trabalho, estudo e jogo.
do trabalho italiano Domenico De Masi e é
também um revolucionário conceito de trabalho
que o autor define através da intersecção
entre três elementos: trabalho, estudo e jogo.
- Trabalho (economia): é o trabalho em si,
- as funções necessárias ao cumprimento
- de uma tarefa.
- Estudo: é a possibilidade se obter
- conhecimento através do estudo
- constante, utilizando os recursos
- que a sociedade digital proporciona,
- como o uso da internet, por exemplo.
- Jogo: é o espaço lúdico de lazer,
- brincadeira e convivência que
- deve estar presente em qualquer
- atividade que se faça. É a forma
- de evitar a mecanização do trabalho,
- dando-lhe "alma".
Quando o indivíduo consegue unir estes três pontos,
ele está praticando o ócio criativo, que é uma
experiência única e que proporciona uma
melhor adaptação para as necessidades
da sociedade pós-industrial, respeitando
a individualidade do sujeito e proporcionando
mais alegria e produtividade ao próprio trabalho.
ele está praticando o ócio criativo, que é uma
experiência única e que proporciona uma
melhor adaptação para as necessidades
da sociedade pós-industrial, respeitando
a individualidade do sujeito e proporcionando
mais alegria e produtividade ao próprio trabalho.
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